Entrevista por Audrey Sileci
Editado por Janet Jun
Traduzido por Camila Rollo
Terry LaDow é o diretor de programas de uma organização que oferece capacitação de alta qualidade em todo o mundo para lares de acolhimento que recebem sobreviventes do tráfico humano. Após uma trajetória de dor, redenção e transformação, Terry começou a viver sua vida com base na profunda compaixão que sente pelas pessoas em situações difíceis e vulneráveis. Sua abordagem direta e “sem rodeios” a si mesmo e aos outros, desafia-nos a enfrentar nossas crenças e atitudes centrais, e a encontrarmos força para agirmos em direção a uma mudança significativa.
Recentemente, pedimos a ele que nos falasse sobre sua jornada. Esperamos que você, assim como nós quando lemos, se sinta encorajado e motivado com a sua história.
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Para começar, você poderia nos contar um pouco sobre sua infância e como sua educação moldou o tipo de pessoa que você foi nas primeiras décadas de sua vida?
Nasci em uma família violenta e alcoólatra. Meus pais, minha irmã mais nova e eu morávamos em Phoenix, Arizona. Quando criança, meus pais muitas vezes me diziam que não precisavam nem queriam saber nada sobre mim ou minhas opiniões. Disseram que minha asma me tornava um fardo para nossa família. Foi difícil aceitar que não tinha voz na forma em como eu era tratado. Meus pais brigavam constantemente e a raiva deles se espalhou sobre mim e minha irmã. Ela escolheu ser a quieta e eu escolhi me rebelar.
Quando eu era criança, meus pais frequentemente faziam festas em casa aos fins de semana e esperavam que eu ajudasse na limpeza o dia seguinte. Sempre havia bebidas não terminadas espalhadas pela casa. Por volta dos sete ou oito anos, comecei a tomar o resto das bebidas não terminadas, das que pra mim tinham um gosto bom, e, aos 13 ou 14 anos, estava viciado nos efeitos que o álcool gerava em mim. O álcool me fazia sentir bem – ter acesso a ele me tornou popular entre as crianças mais velhas – e beber ajudou a matar a dor da minha vida.
Minha mãe era abusiva tanto fisicamente quanto emocionalmente. Meus pais regularmente me comparavam a outras crianças e me diziam que eu não era tão bom quanto elas. Outras crianças tiravam boas notas e não decepcionavam os pais como eu. Eram pessoas muito melhores do que eu. Depois de ouvir tantas vezes que eu não fazia quase nada certo em comparação com os outros, e ser rotineiramente questionado sobre o porquê eu não tinha um desempenho melhor, comecei a acreditar que eu era defeituoso. Eu simplesmente não acreditava que era importante como pessoa.
Minha mãe sempre me dizia que era minha obrigação ser médico, seguindo os passos do meu avô. Nunca me perguntaram se era algo que eu queria. Eu tinha que fazer tudo do jeito dos meus pais e ponto final.
No final do ensino médio, eu era praticamente um alcoólatra. Embora não me importasse muito com a escola, consegui me formar em 1962 e fui fazer faculdade. Eu priorizei beber em vez de minhas aulas e fui reprovado no meu primeiro ano. Meus pais, que me disseram que eu deveria permanecer no caminho certo para me tornar médico, não aceitaram bem tudo isto.
Sozinho no mundo, fiz apenas o que sabia fazer: bebia, usava o meu “charme” para conseguir o que queria com mulheres, e reagia violentamente, batendo em qualquer um que estava no lugar errado na hora errada, seja homem ou mulher. Eu não me tratava como valioso porque não acreditava que tinha valor. Durante anos, usei e abusei de pessoas regularmente. No geral, as coisas não correram bem. Acabei morando nas ruas e fui forçado a aprender habilidades de sobrevivência. Culpei os outros pelas minhas circunstâncias, já que não conseguia suportar a dor de admitir que era responsável por mim mesmo. Álcool, drogas e mulheres eram o que eu costumava usar para me distrair da dor de como eu me via.
Eventualmente, eu me casei e tivemos uma filha. Ao longo de todos os seis anos de meu primeiro casamento, frequentemente traí minha esposa. Quando minha filha tinha um ano, deixei minha família por outra mulher. Estive com essa nova namorada no Arizona por cerca de um ano antes de ir para a Califórnia para fugir do caos da minha vida. Eu não fui um pai ativo na vida da minha filha.
A Califórnia acabou não sendo diferente do Arizona. Continuei a cair – bebendo e perseguindo mulheres – e morei nas ruas novamente por cerca de um ano. Continuei a abusar de mim mesmo e de todos em minha vida. Eu não era capaz de tratar ninguém com gentileza.
Você é uma pessoa completamente diferente hoje do que costumava ser. Você diz que Deus desempenhou um papel fundamental na sua transformação. Quando foi que Deus começou a fazer parte da sua história e o que mudou para você a partir deste momento?
Em 1976, eu morava com dois rapazes no sul da Califórnia e um deles era crente. Uma noite, perguntei a ele o que havia de tão interessante na Bíblia. Ele me convidou a ler o livro de Mateus para ter uma ideia básica do Novo Testamento. Naquela noite, Deus me pegou quando li Mateus 5:14, que diz: “Vós sois a luz do mundo”.
Como eu poderia ser a luz do mundo se eu “sabia” que não era uma boa pessoa? Era impossível que eu tivesse alguma luz para iluminar os outros. Eu questionei a Deus, lutei com a questão de saber se tudo isso era real, e acabei tendo uma verdadeira experiência com o Deus vivo, o que me levou a aceitar Jesus Cristo como meu Salvador pessoal.
Entretanto, a experiência não pareceu durar. Eu logo voltei aos meus velhos hábitos porque ainda não conseguia levar a sério a verdade de quem eu sou aos olhos do Senhor. No entanto, de alguma forma, minha vida ainda começou a mudar mais do que eu tinha consciência. Por exemplo, decidi que estava cansado de ser solteiro e me casei. Este casamento foi diferente que o outro. Durante os primeiros onze anos de casados, eu ainda bebia, mas pela primeira vez, não traí minha esposa. Eu estava começando uma nova jornada, na qual ainda estou hoje. Estou com minha esposa há mais de 40 anos. Ela é uma mulher incrível que aguentou muita coisa minha, pelo qual eu sou grato.
Você conta abertamente sobre como o vício, especificamente ao álcool, fez parte da sua vida por 45 anos, até o dia 23 de outubro de 1989. O que aconteceu naquele dia, e por que você acha que foi o suficiente para você optar por abandonar seu vício? Além disso, uma vez tomada a decisão, como foi parar de beber?
Minha decisão de parar de beber realmente não faz sentido, é como se fosse uma continuação de um processo de cura em curso em minha vida, do qual eu nem estava totalmente ciente. Em 23 de outubro de 1989, meu velho amigo da bebida, com cinco multas por dirigir bêbado, Bob, me pediu para levá-lo para conhecer Jack, o diretor dos programas masculinos na prisão de Orange County. A certa altura da nossa visita à prisão, Jack disse-me que eu tinha um problema com a bebida e que precisava de ajuda. Eu nunca tinha visto essa pessoa antes e nunca mais o veria. Fui para casa e olhei no espelho para ver o que ele viu. Uma voz dentro de mim disse: “Só não beba hoje”, então eu não bebi. Liguei para Bob, que estava me pedindo para acompanhá-lo a uma reunião de Alcoólicos Anônimos, e disse que iria com ele para a próxima reunião. Até hoje, não tenho ideia do porquê parei de beber naquele sábado em particular, há mais de três décadas, depois de um encontro casual com um homem na prisão. Tenho certeza que foi algo de Deus. Tudo o que sei é que sem Jesus, as pessoas que se importavam e os 12 passos de recuperação dos Alcoólicos Anônimos, eu não estaria onde estou hoje.
Abandonar um comportamento não é complicado. Apenas não o faça mais. O processo geralmente é simples, mas não é fácil. A maioria dos comportamentos estão enraizados em nossos sistemas de crenças; são hábitos que aprendemos a aceitar e que se tornaram parte “do que fazemos”. Existem comportamentos bons e maus que afetam nossa vida diariamente. Acredito que fomos criados à imagem de Deus e, portanto, recebemos emoções e somos responsáveis por como agimos de acordo com estas emoções. Isto significa que eu decido o que vou fazer. Só eu sou responsável pelas escolhas que tomo. Minha jornada foi e é um dia de cada vez, um momento de cada vez.
Minha experiência com álcool e drogas tornou óbvio para mim que estas substâncias não me tornaram mais inteligente. Levar a vida um dia de cada vez tem sido a melhor maneira de lidar com os padrões e hábitos que adquiri no passado. Ter pessoas ao meu redor que se preocupam comigo e estão dispostas a me ajudar é muito importante para minha recuperação. Aprender que sou importante para as pessoas apesar de minha história, ajuda a tornar as mudanças mais fáceis a cada dia. Sabedoria é ter pessoas seguras e sóbrias em sua vida para serem modelos que te influenciam.
Minha sobriedade me permitiu voltar aos estudos, e eu passei seis anos e meio estudando para ser terapeuta, além de fazer um mestrado em comportamento humano. Depois disto, trabalhei com o sistema de justiça criminal por 12 anos, fornecendo educação e tratamento para pessoas que estavam em liberdade condicional. Este trabalho envolve dar aulas sobre drogas e álcool, assim como dirigir programas de controle de raiva e violência doméstica. Nos últimos 15 anos, tenho trabalhado em um consultório particular com indivíduos e casais com problemas de relacionamento.
Aqui na 27 Million, nós o conhecemos como uma pessoa gentil e empática. No entanto, você falou sobre como isso nem sempre foi o caso. Seu relacionamento com outras pessoas, especialmente mulheres, já foi cheio de violência. Como isso mudou para você, e o que você acha que foi a chave dessa mudança?
Crescer em uma casa violenta onde eu não era valorizado me ensinou a tratar os outros da mesma maneira. A resposta simples para o que mudou é que descobri que sou importante como pessoa, e não só por causa do meu comportamento. É por causa de quem eu sou. Aprendi que sou incrivelmente magnífico, inacreditavelmente raro e um milagre irrepetível, uma pessoa feita à imagem de Deus por uma razão e com um propósito. Aprendi que sou amado por Deus apesar dos meus comportamentos. Deus sabia o que eu ia fazer de errado e me criou mesmo assim. É incrível saber que você é amado, reconhecido e valorizado por ser quem você é, que você é filho de Deus. Se eu fui projetado por Deus e tenho valor, você também tem. Quando me trato de maneira diferente, também trato os outros de maneira diferente.
Jesus nos disse para “amar o seu Senhor de todo o seu coração, alma, mente e força, e amar o seu próximo como a si mesmo”. Como você mostra às pessoas que são importantes para você, que você as ama?
Aqui está um exemplo: durante os primeiros onze anos do meu casamento atual, eu ainda bebia. Eu era um mentiroso e um ladrão. Mentia para minha esposa sobre para onde estava indo e quando estaria em casa. Ela nunca sabia quanto dinheiro encontraria em nossa conta bancária. Eu era verbalmente abusivo e frequentemente ficava bêbado. Mencionei anteriormente que não a traí com outra mulher, mas certamente a traí com garrafas de álcool. O álcool era mais importante para mim do que minha esposa, e se percebia. Como resultado, evitei a pessoa mais importante da minha vida e roubei dela a coisa mais importante que tinha para dar: eu. Não passava tempo com ela, pois estava “muito ocupado”.
Depois que fiquei sóbrio e aprendi a me valorizar, finalmente consegui tratar minha esposa como a pessoa importante que ela é, mostrando o quanto ela é valiosa para mim. Eu passei a escutá-la e a fazer coisas que ela dizia serem importantes para ela – como comprar flores, ajudar a plantar seu jardim e limpar a casa antes que ela pedisse. Eu pessoalmente não entendo o conceito de comprar flores, porque no momento em que você as compra, elas já não estão morrendo? Não vamos jogá-las fora em uma semana? Mas minha esposa as ama e elas a fazem se sentir bem-cuidada, então eu as compro. Eu faço coisas para ela (como limpar a cozinha antes de dormir), embora eu nunca realmente queira, porque no final do dia, eu valorizo minha esposa e me preocupo em fazer o certo por ela, assim como eu quero fazer o certo por mim e Deus.
Descobrir como valorizar as pessoas… é um conceito simples. “Mostre-me onde você gasta seu tempo e eu mostrarei o que é importante para você.” Como você gasta seu tempo? Com sua família, com seu cônjuge, com seus amigos? Isto diz muito sobre o quanto você os valoriza.
Uma pergunta que você faz às pessoas com frequência é: “Quem é você?” Como você responde a esta pergunta e por que pergunta aos outros?
Faço esta pergunta para que as pessoas reflitam sobre sua identidade – quem são, não o que fazem. É sobre pessoa versus desempenho, refletindo sobre o que te define como pessoa. Se você escolher se definir com base em um comportamento, quem você é quando se comporta de outra forma?
Isto é fundamentalmente importante porque a maneira como você se vê é como você reage à vida. Ao considerar quem você é, pense sobre como cada pessoa tem dez impressões digitais que são diferentes das de qualquer outra pessoa. Em todo o mundo, agências governamentais executam milhões de impressões digitais diariamente. Existem aproximadamente 7,5 bilhões de pessoas no mundo com 70,5 bilhões de impressões digitais, e nunca houve uma impressão digital duplicada. Além disto, cada um de nós tem DNA que, segundo a ciência, é diferente de qualquer outra pessoa. Deus apenas cria originais. Cada um de nós é um original e os originais não podem ser comparados.
Não podemos escolher quem somos. Só Deus pode. A cor do nosso cabelo, a cor dos nossos olhos, nossa altura, o tom da nossa pele, nossas características faciais, nosso sexo e a família em que nascemos são todos aspectos nos quais não tivemos poder de voto. Quando aceitamos que quem somos depende de como Deus nos projetou, que nossas habilidades e dons foram atribuídos divinamente, então nosso mundo é diferente.
Se dependermos do que fazemos para nos definir, sempre acabaremos perdendo o jogo da comparação. Conforme crescemos, as pessoas escrevem nele e temos que lidar com o que está escrito. É como lidamos com o que foi escrito que faz a diferença em nossas vidas. Podemos escolher como agimos com base em como nos vemos. É importante aprender que as opiniões dos outros não nos definem; apenas a opinião de Deus nos define. Isto é o que nos dá liberdade para mudar.
Hoje, você é o diretor de programas em uma organização sem fins lucrativos, a Finding Freedom, que oferece capacitações para organizações nas linhas de frente do combate ao tráfico de pessoas. Como começou essa organização, e quais desafios pessoais você enfrentou ao participar da sua fundação e gestão? Você poderia nos contar um pouco sobre como sua trajetória profissional o levou até esse ponto?
Eu me envolvi com a Finding Freedom International há cerca de 11 anos, quando conheci a fundadora da organização, Tera Shatsky-Bezko, na Igreja Mariners. Fomos ambos convidados a ir com um grupo formado principalmente por profissionais de saúde mental a Colombo, capital do Sri Lanka, para ajudar a iniciar um programa de recuperação para pessoas viciadas em álcool, por meio de uma igreja local. Nosso time atendeu pessoas que lidavam com traumas e vícios devido à guerra civil de 25 anos que o país havia vivido.
Tera tinha uma amiga em Bangkok, na Tailândia, que administrava um lar de acolhimento para meninas que haviam sido exploradas sexualmente. A equipe daquele lar estava emocionalmente exausta. Eu me juntei à Tera e à Finding Freedom International para ajudar a desenvolver um programa de capacitação para funcionários de lares de acolhimento. Nosso currículo é projetado para ajudar a mudar o ambiente em lares de acolhimento e contribuir aos programas de cura existentes nos lares. Ensinamos estratégias e conceitos-chave práticos e baseados na Bíblia, sendo assim capazes de ser flexíveis e nos adaptar a diferentes grupos culturais e étnicos. Já que é Deus o melhor curador, a cura está disponível para todos, sem exceções, e estamos empenhados em ajudar os lares de acolhimento a aprenderem como encontrar uma cura verdadeira para seus funcionários e beneficiários.
Desenvolver um programa de capacitação para os lares de acolhimento também acabou se tornando parte da recuperação pessoal tanto da Tera quanto minha. Tera foi molestada pelo pai no início de sua juventude. Este programa foi a forma que Tera e eu conseguimos colocar nossas histórias em um formato que pudesse ser transferido para outras pessoas. Toda a experiência foi abençoada por Deus.
Por meio da Finding Freedom, recentemente você começou a oferecer cursos específicos para homens. Que papel você vê os homens desempenhando no movimento contra o tráfico humano?
O papel dos homens no tráfico de pessoas precisa ser abordado constantemente. A maioria dos consumidores de serviços sexuais são homens e, até que resolvamos o problema do consumidor, o tráfico humano para fins de exploração sexual existirá. Precisamos chegar ao ponto em que mulheres e crianças exploradas não sejam mais um meio de ganhar dinheiro. No final das contas, é tudo uma questão de dinheiro.
Acredito que precisamos nos concentrar em mudar as percepções dos homens sobre o valor de cada pessoa, porque quando consideramos todas as pessoas como importantes, as tratamos de maneira diferente. Como homens, somos instruídos a vencer batalhas e travar guerras. Somos ensinados a nos ver como poderosos e a pegar o que queremos porque podemos. Portanto, como homem, tratar cada pessoa com valor, independentemente de sua história, é uma das ações mais poderosas e curativas que podemos realizar. É tudo uma questão de ver as pessoas como valiosas.
Qual é o conselho mais importante que você dá às pessoas que querem se envolver no movimento contra o tráfico humano?
Não importa o que você faça, mostre às pessoas que elas são importantes, apesar de suas histórias. Mostre a elas que quem elas são é separado de seus comportamentos ou do que aconteceu com elas. Não veja as pessoas principalmente como vítimas. Olhe além do que aconteceu com elas e trate-as de acordo com quem são, lembrando que acima de tudo, são pessoas criadas por Deus com um motivo e um propósito.
Jesus subiu na cruz porque nos ama, independentemente do que tenhamos feito. Ele nos ama, não importa quais sejam nossas histórias, e não há exceções a isto. Mesmo quando somos culpados, somos completamente perdoados. Sabendo disto, o que cabe a nós é ver os outros da mesma maneira, os amando como Jesus nos ama. É uma bênção incrível.
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